sexta-feira, 11 de março de 2011

As crises de desânimo do ministro

C.H.Spurgeon, considerado "o príncipe dos pregadores" escreve em seu livro "Lições aos meus alunos, página 202, primeira edição em portugues, 1982. Publicações evangélicas selecionadas", um capítulo sobre a depressão na vida daqueles envolvidos no ministério divino. Sua abordagem é simples e pode ser compartilhada por outras pessoas, pois a depressão não escolhe ofícios. O que se segue é um resumo do referido capítulo.


"Como está escrito que Davi, no calor da batalha, abateu-se, assim se pode escrever de todos os servos do Senhor. Crises de depressão acometem a maioria de nós. Animados como possamos ser normalmente, a intervalos temos que ser derrubados. O forte nem sempre está vigoroso, o sábio nem sempre é expedito, o bravo nem sempre é corajoso, e o alegre nem sempre está feliz. Pode ser que existam aqui e ali homens de aço a quem o ralar e o rasgar não causam nenhum dano perceptível, mas por certo a inércia desgasta mesmos a estes; e quanto aos homens comuns, o Senhor sabe e os faz saber que não passam de pó. Sabendo pela mais penosa experiência o que significa uma profunda depressão de espírito, sendo visitado por ela frequentemente e a intervalos não demorados, achei que poderia ser consolador para alguns dos meus irmãos se partilhasse meus pensamentos sobre isso para que os mais jovens não imaginem que algo estranho lhes acontece quando tomados em alguma ocasião pela melancolia; e para que os mais deprimidos saibam que a pessoa sobre quem o sol está brilhando jubilosamente nem sempre andou na luz".

"Não é necessário provar com citações de biografias de ministros que a maioria deles, senão todos, passou por períodos de terrível prostração. A vida de Lutero poderia ser suficiente para dar mil exemplos, e ele não era de modo nenhum do tipo mais fraco. Seu espírito grandioso esteve muitas vezes no sétimo céu da exultação, e com igual frequência às bordas do desespero...Por que será que os filhos da luz andam às vezes em trevas espessas? Por que será que os arautos da alvorada às vezes se acham numa noite que vale por dez"?

1. "Não será primeiro porque são homens?
Sendo homens, estão enquadrados na fraqueza e são herdeiros da tristeza. É preciso que às vezes enfrentemos durezas. Aos homens de bem foram prometidas tribulações neste mundo, e os ministros podem esperar maior parte do que os outros, para aprenderem a simpatizar com o sofredor povo do Senhor, e assim possam ser aptos pastores de um rebanho enfermo. Os anjos poderiam ter sido ordenados evangelistas, mas os seus atributos celestiais os teriam incapacitados para terem compaixão dos ignorantes; poderiam ter sido modelados homens de mármore, mas a sua natureza impassível seria um sarcasmo para a nossa fragilidade e uma zombaria das nossas necessidades. Foi a homens, e homens sujeitos às paixões humanas, que o sapientíssmo Deus escolheu para serem os Seus vasos de bençãos; daí estas lágrimas, estas perplexidades, estas quedas".

2. "Além disso, na maioria somos, de um modo ou de outro, fisicamente defeituosos.
A grande maioria de nós trabalha com uma ou outra forma de deficiência do corpo ou da mente. Certas doenças do corpo, principalmente as relacionadas com os orgãos do aparelho digestivo, o fígado e o baço, são tremendas fontes de desânimo, e, lute o homem quanto puder contra tais influências, haverá momentos e circunstâncias em que por algum tempo o vencerão. Quanto às doenças mentais, haverá alguém que seja inteiramente são? Não estamos todos um pouco fora do equilíbrio"?

3. "Quando empreendemos a nossa obra fervorosamente, tornamo-nos vulneráveis à depressão.
Quem pode aguentar o peso das almas sem afundar no pó? As entranhadas aspirações pela conversão dos homens, se não plenamente satisfeitas (e quando são?), consomem de angústia e desapontamento a alma. Ver os interessados irem por água abaixo, os piedosos se esfriarem, os crentes professos abusarem de seus privilégios, e os pecadores ficarem mais descarados - ver estas coisas não é o suficiente para esmagar-nos contra o solo? Como podemos sentir-nos doutro modo se não entristecidos, enquanto os homens não crêem em nossa mensagem, e não se revela o braço do Senhor? Todo o trabalho mental tende a cansar-nos e a deprimir-nos, pois o muito estudo enfado é da carne; mas o nosso trabalho é mais que mental - é do coração, é labuta do íntimo da nossa alma".

4. "A nossa posição na igreja também conduz a isso.
Um ministro plenamente habilitado para o seu trabalho normalmente será um espírito que está acima, além e à parte dos demais. O mais afeiçoado dentre o seu povo não pode penetrar os seus pensamentos, cuidados e tentações peculiares. Nas fileiras militares os homens andam ombro a ombro, com muitos companheiros, mas conforme o oficial sobe na hierarquia, os homens da sua posição vão sendo cada vez em menor número. Há muitos soldados, poucos capitães, menos coronéis, mas somente um comandante em chefe. Assim, em nossas igrejas, o homem que o Senhor eleva como líder vem a ser, no mesmo grau em que é homem superior, homem solitário. Os homens de Deus que se elevam acima dos seus semelhantes mantendo mais íntima comunhão com as realidades celestiais, em seus momentos de maior fraqueza acham falta da simpatia humana. Como o Senhor no Getsêmani, buscam em vão receber conforto dos discípulos que dormem ao seu redor".


Ocasiões mais propícias para as crises de desânimo

"Na medida em que eu as tenho experimentado (aqui o testemunho de Spurgeon), podem ser resumidas num breve catálogo. Dentre elas devo mencionar em primeiro lugar a hora de grande sucesso. (a) Quando um desejo há muito tempo acalentado finalmente se cumpre, tendo Deus sido grandemente glorificado por nosso intermédio havendo-se alcançado grande triunfo, então estamos sujeitos a desfalecer. Talvez se pudesse imaginar que, em meio a favores especiais, a nossa alma pairaria nas alturas do êxtase e se regozijaria com júbilo indescritível, mas o que se dá geralmente é o inverso...Vejam Elias depois de ter caído fogo do céu, depois de terem sido mortos os sacerdotes de Baal, depois que a chuva alagou a terra árida! Para ele nada de notas de música de auto-complacência, nada de pavonear-se como um conquistador em roupagens de vitorioso. Ele foge de Jezabel, e, sentindo a revulsão do seu distúrbio intenso, suplica pedindo para morrer. Aquele que nunca haveria de ver a morte anseia pelo repouso do sepulcro, como César, o monarca do mundo em seus momentos de pesar chorava como uma menina doente. A pobre natureza humana não pode aguentar tensões como as que advêm das vitórias celestiais; tem que sobrevir uma reação. O excesso de alegria ou de emoção tem que ser pago com depressões subsequentes..."


(b) "Antes de alguma grande realização, certa medida da mesma depressão geralmente ocorre.

Divisando as dificuldades que se nos antepõem, os nossos corações sucumbem dentro de nós. Os filhos de Enaque se agigantam diante de nós, e somos como gafanhotos aos nossos próprios olhos na presença deles. As cidades de Canaã são muradas até aos céus, e quem somos nós para esperar capturá-las?

Foi esta minha experiência (aqui o testemunho de Spurgeon), quando no começo me tornei pastor em Londres. O meu sucesso me aterrorizou; e a idéia da carreira que parecia abrir-se, muito longe de entusiasmar-me, lançou-me às maiores profundezas, das quais pronunciei o meu miserere e não achei lugar para cantar glória em excelsis. Quem era eu para eu para continuar liderando tão grande multidão? Queria ir para a minha obscuridade aldeã, ou emigrar para a América e encontrar um ninho no ermo onde fosse idoneo para as coisas que se exigissem de mim. Mas precisamente aí a cortina estava se levantando sobre a minha vida, e temí o que poderia sobrevir. Eu espero que não tenha sido falta de fé, mas eu estava temeroso e completamente tomado pelo senso de minha inépcia. Estava com medo de uma obra que a Providência repassada da graça divina preparava para mim. Senti-me como simples criança, e tremí quando ouvi a voz que dizia: "Levanta-te, malha as montanhas, e faz delas palha".


(c) "Em meio a uma longa tirada de trabalho ininterrupto, pode-se achar a mesma aflição.

Não se pode dobrar o arco o tempo todo sem temer quebrá-lo. O repouso é necessário à mente tanto quanto o sono ao corpo. Nossos sabbaths - nossos domingos - são os nossos dias de trabalho, se não descansarmos nalgum outro dia, ficaremos prostrados. Mesmo a terra seca precisa ficar sem lavradio e ter os seus períodos sabáticos; assim conosco. Daí a sabedoria e compaixão de nosso Senhor, quando disse aos Seus discípulos: "Vinde vós aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco". O quê?! Quando o povo está desfalecido? Quando as multidões estão como ovelhas nas montanhas sem pastor? E Jesus fala de descanso? Quando os escribas e fariseus, quais lobos vorazes, rondam o rebanho, leva Ele os Seus discípulos para um tranquilo lugar de repouso? O tempo de repouso não é tempo perdido. É economia juntar novas forças..."


(d) "Um golpe esmagador às vezes deixa o ministro muito abatido.

O irmão em quem mais se confiava torna-se um traidor. Judas levanta o calcanhar contra o homem que confiava nele, e o coração do pregador lhe falha na hora. Todos nós estamos prontos demais para ver uma arma carnal, e dessa propensão surgem muitas das nossas tristezas. O golpe é igualmente demolidor quando um honrado e estimado irmão se rende a alguma tentação, e leva à desgraça o santo nome pelo qual era chamado. Qualquer coisa é melhor que isto. Isto leva o ministro a ansiar por uma cabana em algum vasto deserto onde possa ocultar a cabeça para sempre, e não ouvir mais as zombarias blasfems dos ímpios. Dez anos de trabalho não tiram tanto da vida como o que perdemos em poucas horas por causa de Aquitofel, o traidor, ou de Demas, o apóstata. As contendas, também, e as divisões, as calúnias e as críticas tolas, muitas vezes prostram santos homens e os fazem ir "como com uma espada nos ossos". As palavras duras ferem profundamente certas mentes delicadas. Muitos dos melhores ministros, pela própria espiritualidade do seu caráter, são excessivamente sensíveis - sensíveis demais pra um mundo como este. "Um coice que mal move um cavalo, mata um bom teólogo." As provações de um verdadeiro ministro não são poucas, e as que são causadas por crentes professos ingratos são mais duras de aguentar do que os mais grosseiros ataques de inimigos confessos. Oxalá nenhum homem que anda em busca de tranquilidade mental e de quietude na vida entre no ministério; se o fizer, fugirá dele desgostoso..."


(e) "Este mal também nos atinge sem que saibamos a razão

Não se pode arrazoar com depressão desmotivada. Tampouco pode a harpa de Davi encantá-la e expulsá-la com os seus suaves argumentos. É como lutar com o nevoeiro, enfrentar esta situação informe, indefinível e trevosa de desamparo. Nem a gente mesmo tem dó de si neste caso, porque parece irrazóavel, e até pecaminoso, ficar angustiado sem causa evidente. Se os que se riem dessa melancolia apenas sentissem por uma hora a sua dor, o riso deles seria silenciado pela compaixão".


Deus a todos abençoe em Cristo Jesus.


Pr. Josué Ribeiro da Costa.